16 de dezembro de 2012

A Saudade é um Rolo que Nunca Acaba

Nem sei por onde começar, minha cara saudade, o horizonte parece tão ofuscado diante da lembrança da tua fotografia. Você não acreditaria se eu te dissesse que ainda guardo o rolo X-T400 da Kodak na gaveta da minha escrivaninha. Um tempo tão bom, às vezes sinto vontade de voltar e melhorar tudo – mudar algumas atitudes para que as minhas lembranças sejam melhores do que essas que guardo aqui em meu peito. Brincar era nosso lema, lembra? Brincávamos de queimado todos os dias como se fosse o maior feriado de setembro e corríamos por entre o campo da Rua do Benévolo SN para incentivar o pega-pega, brincadeira de última hora, antes de corrermos para casa aos gritos da mãe.

14 de novembro de 2012

A Retomada

Dos ensinamentos do Moacyr


Não quero convencê-lo, caro leitor, de que neste espaço não cabe abertura para verbos na primeira pessoa do singular. Seria um equívoco pensar um diálogo sem o uso de tais recursos de linguagem. Ou então este espaço seria unilateral, o que não cabe aqui neste exato momento, muito menos em momentos anteriores a hoje. Mas o que eu quero deixar claro com esta mensagem é que eu sinto falta daqueles momentos fortes do dia-a-dia em que eu me sentia incomodada com tanto sentimento em volta de mim e expunha isso em palavras para exprimir minha tristeza pela distância, pelo desafeto ou afeto de outrem e até pelo desacato; a ternura pelo encontro ou desencontro entre as pessoas, muito comum a todos nós caros indivíduos iludidos ou desiludidos. E também indivíduos que iludem outros e outros por aí vez em quando – fato inegável.

25 de outubro de 2012

A Cartomante e o Homem do Futuro

Durante este tempo, eu ainda estava morando próximo à beira do cais, no Recife Antigo, e ainda mantinha a ideia do bem-viver como algo que purificava o espírito. Conservava a alma com a pureza do ar que, naquele tempo, se podia respirar tranquilo. Era noite, o Recife mantinha a calmaria marítima da noite e o cais, obscurecido, era agitado apenas pela passagem dos trabalhadores e visitantes do lugar. Mas algo chamava a atenção: a mulher de cabelos compridos e batom vermelho reluzente sentada no batente próximo ao galpão de carga e descarga. Parecia muito pensativa.

28 de setembro de 2012

Rua da Coragem

Muita coragem me falta neste instante, mas ela sempre está lá. Levanta, senta. Senta, levanta. As mãos apressadas e trêmulas, as roupas molhadas de tanto trabalho em casa: roupas no varal limpas e aromáticas, comida na panela de dar gosto o cheiro do tempero. E o aroma se espalha pela casa afora até atravessar as cortinas e chegar à vizinhança. E muita coragem me falta, menos a ela que está lá sentada em sua cadeira de balanço. E ela estava lá, fim de tarde, sentada em sua cadeira; cachimbo na mão direita, olhar distante e umas baforadas violentas em direção à janela. Devia estar pensando no tempo em que morou na rua da coragem.

8 de agosto de 2012

O Poder das Coisas #2:

O Poder que a Palavra tem Sobre as Coisas


Ilustração: Alesson Felipe
Acaso tem a madeira o poder de construir a si mesma? Eu me pergunto cheia de intento e de inexplicável ânsia de resposta. Não obtenho uma resposta clara porque sei que a madeira é um caso à parte. Mas a verdade é que eu não sei como o Moacyr consegue dar vida às coisas porque nem eu mesma me criei. Nem faço ideia de como dar vida a outrem, mas o Moacyr sabe.

18 de julho de 2012

O Poder das Coisas: #1

o poder que a palavra tem sobre as coisas



Ilustração: Alesson Felipe
Moacyr se senta à beira da estrada e olha seu carro parado em plena manhã de domingo; se tivesse feito uma revisão antes de sair de casa não estaria agora debaixo do Sol a pino. Revolve os bolsos e vê a sua carteira, nem imaginava, há duas horas atrás, que estaria naquela situação.

2 de julho de 2012

Na Areia do Além Mar

Por Jack Borandá e Edilma Maria

Ofereço ao meu amigo Jack Borandá 
por ter me convidado para participar deste belo escrito.


Não me conheces verdadeiramente, mas estou em tuas preces solares/invernia à beira mar. Não me conheces, mas me enfeitas com flores nativas como se eu fosse teu encanto por Iemanjá. Não me conheces, mas eu teu ser sou o teu mundo desconhecido e evoluído que espraias em ondas cinzas de inverno.

20 de junho de 2012

Dave Grohl com F Maiúsculo


Você pode até achar estranho, caro inconsciente vermelho, mas antes de conhecer o cara mais bacana do rock, Dave Grohl, eu conheci o Foo Fighters. E, acredite, caro inconsciente incrédulo, sem nenhuma surpresa, eu me encantei. Eu devia estar saindo do ensino médio e pensando na faculdade naquele período e andava meio insone, então decidi que precisava ampliar meu checklist musico-cultural, foi quando, sem pretensão, movi o controle remoto e apertei um de seus botões, e lá estava o grupo, no videoclipe engraçado, tocando Learn To Fly, uns dois anos depois do lançamento, do álbum There Is Nothing Left to Lose, da forma mais descontraída possível, como eu nunca tinha visto antes, foi, sem dúvida alguma, um encantamento que perdura até hoje. Mas, até então, eu não sabia quem era o herói deste enredo. O F maiúsculo só aportou em minhas mãos em maio de 2012, quando tive acesso à sua biografia não autorizada, a mais autorizada que já li. E sim, caro inconsciente vermelho, eu gostei do que li e me encantei pela segunda vez. Eu descobri, ele é apenas uma pessoa real e muito consciente, é o cara mais bacana do rock. E eis que surge o Dave Grohl, o líder da banda mais bacana do rock: o Foo Fighters!

14 de junho de 2012

Você é a Minha Cinemateca

De todas as cores, de todos os jeitos: você. Venha e me beije, me faça companhia nos dias frios e tristes: você. Me queime, me faça arder em chamas e afaste o meu medo do escuro: puro. Gosto do seu gosto por coisas novas e reais, gosto do seu cheiro e dos seus ideais e, posso dizer a você, de todos os filmes que amei, você foi e é o mais completo e inesquecível. Lembro assim, meio que soturnamente, do dia em que conheci você, caro pássaro cor de anil, era assim que eu gostava de te chamar, naquela festa de nome longo e complexo, como era mesmo?, A Um Passo da Eternidade, você estava com uma camisa de lã cor de anil com um pássaro gótico desenhado manualmente, parece que estou te vendo agora, aqui perto Curtindo a Vida Adoidado. Agora me pego rindo muito alto, é que estou ouvindo All The Jazz é que você me chamou pra dançar ao som dessa música, lembra? As minhas lembranças não acabam aqui. Eu podia até me perder, mas Depois de Horas eu revelaria detalhes de nós dois.

5 de junho de 2012

Chandler, 1929

Ilustração: Alesson Felipe
Minha pequena, em alguns jogos, as palavras são peças de ouro; em um jogo de blefe, por exemplo, o que perdura são os gestos, a estratégia de ação determina o resultado da aposta. Por isso tenha muito cuidado: as palavras pronunciadas têm muito poder e as escritas, também. Ele costumava falar assim, como se estivesse reproduzindo um sermão, toda vez que nos encontrávamos no banco da praça da rua Chandler, nas tardes frias de inverno. Não fosse por esses pequenos encontros, minha cultura se resumiria ao crochê e aos chás na casa das amigas de minha mãe.

21 de maio de 2012

Bastava Um Olhar

Ele vem e toma as minhas mãos nas suas e me envolve em seus braços fortes: abraço. Ele me pede com olhar insinuante e me desafia a recriar imagens suas de um tempo distante quando ainda éramos jovens, perdidos e iludidos por não sabermos bem a direção a tomar; e nossos pés andavam espalhando poeira por todos os lugares; é, não sabíamos onde fincar a pedra. Quando ainda tínhamos a ilusão de que os tempos seriam incríveis e a direção seria sempre à frente de nossos pés, criamos sonhos e desejamos castelos. Que ilusão a nossa, estávamos com a visão carragegada de argueiros e, mesmo com o incômodo, tudo pareceia tão natural e descolado que nos sentíamos especiais. Era tudo tão incrível e havia pessoas tão maravilhosas à nossa volta que esquecemos de olhar para dentro de nós mesmos para descobrir o que havia ou o que estava acontecendo, talvez a perspectiva fosse errada. E era, fato comprovado; agora que parei para pensar no ontem, percebo o quanto fomos inúteis.

18 de abril de 2012

Voo por Entre Nuvens

Seus olhos brilhavam como se fossem inundados por água, duas bolhas cheias de segredos incontestes: ela era a mais franzina da Vila Francinette e também a mais intrigante de todas, seu nome era Emília, a moça dos versos rebuscados e enigmáticos, sua fama corria a Vila, mas seu posicionamento arredio afastava a maioria das pessoas do seu convívio. Tudo bem, ela ainda tinha a família e a imaginação. Emília figurava o silêncio, mas seus olhos d'água corriam precisos por todos os lugares e eles falavam mais do que qualquer palavra pronunciada.

15 de abril de 2012

Sonho de Dois por Um

A mulher de quem vou falar era vaidosa, gostava de fumar em piteiras leves e perfumadas; deixava as unhas impecáveis porque achava que era o seu ponto forte e era para onde todos olhavam na primeira conversa. A mulher de quem vou falar era de meias palavras, mas animada; tinha cílios longos, mas retraídos; a mulher de quem vou falar era sempre terna e amava seu marido, ao menos ela achava isso. E ela desenvolveu seus sonhos pensando que o mundo dele completaria o seu ou, ao menos, devia pensar que não havia fronteiras entre ela e ele; ela compôs frases de efeito e postou em cada momento fotografado por alguém de mãos ágeis que sempre passava por eles num desses dias de pura histeria. Ela guardou as câmeras só para lembrar de todos os momentos bons que passaram juntos e também para contar o tempo: cada pedacinho de tempo passado. Ela pensou muito nos dois.

4 de abril de 2012

Notas Sobre a Tristeza cap. 02


Mergulho

"O significado da vida transborda no sangue que pulsa"


Quando a tristeza toma conta do corpo e da mente, a esperança fica impenetrável. E então surge o primeiro sinal do mergulho: a fraqueza. Por um longo tempo, ele caminhou por entre as sombras, perdido, mergulhado em si mesmo, mas desprovido de amarras e convenções sociais.

2 de abril de 2012

Notas Sobre a Tristeza cap. 01

Morte e Vida


Veias, o significado da vida transborda no sangue que pulsa. Veias pululam em sua pele alva, mas podia ser negra, se assim ele achasse conveniente. Veias, o significado da morte transborda no sangue que pulsa. Morte. Morte e vida era o seu estado. Em memória de si mesmo ele bebeu vinho, cobriu o corpo e o espelho com lençol branco e tingiu de escarlate as paredes de sua casa com um resto de tinta que ele encontrou em meio a uma pilha de lixo entulhado a duas quadras do seu endereço. Foi a partir desse momento que ele percebeu o inevitável: estava perdido.

15 de março de 2012

Acessibilidade

“Eu não tenho muito, quase nada. Só a sombra do meu corpo misturada a galhos secos”. Após pronunciar essas palavras, ele me estendeu a mão. Foi o suficiente.

Antes de o amor chegar, eu estava sentada em frente ao mar, boca seca, pés cansados, olhar perdido e mãos corroídas. Mãos corroídas pelo tempo. Tempo de espera que me machucava a cada vez que eu olhava para a vida e não enxergava a esperança junto à ponta dos seus dedos; a cada vez que eu tentava levantar e não conseguia porque as forças me faltavam e me impediam de ir além. Foi então que, ao longe, eu vi a sua mão e meu rosto se iluminou. Foi quando você veio.

27 de fevereiro de 2012

De Gelo

Dê-me as mãos, as minhas estão tão frias, já não sinto os meus dedos, há gelo em todos os lugares desta casa; o canto, o nosso preferido, já não é mais o mesmo desde a sua partida. Lembra quando a gente compartilhava segredos nas noites quentes de verão e trocávamos olhares de cumplicidade e paixão e, às vezes, meus pés roçavam nos seus e eu sentia a sua quentura em minha pele enervada. Sim, eu lembro. Guardo tudo em minha memória, como agora. Como se eu estivesse segurando suas mãos.

15 de fevereiro de 2012

Carnaval Tem Sempre

                 "A La Ursa quer  dinheiro, quem não dá é pirangueiro!"



Ouvi o barulho e, por um instante, fiquei imóvel. Era inevitável, o carnaval havia chegado e eu precisava agir. Fechei o livro e guardei-o na estante, fui até a janela e. E Quando abri um dos lados, me surpreendi: tamanha magia. Como num sonho, me deparei com uma grande multidão que cantava em uníssono: “E, Recife, adormecida, ficava a sonhar ao som da triste melodia”. Longe da tristeza, mãos nas alturas, roupas coloridas, embalo musical: a multidão estava eufórica. Não, não era sonho. Era uma grande elevação; ou melhor, um domínio. Um domínio do corpo e da alma porque o meu eu era força; o meu sangue fervia, meus pés ardiam. E, naquele momento, eu era o frevo; eu tinha o frevo nos pés, o batuque dos tambores nos ombros e nas mãos. Eu era toda Nordeste. Nordeste em cores e, pra onde eu me virava, carregava no peito a alegria de morar numa cidade linda chamada Recife. Recife pintada em sonhos, em histórias: recife português e holandês. De todos os dias, de todos os ritmos e de fantasias: era carnaval. “É pirangueiro! É pirangueiro!”, gritavam as crianças quando um bom vizinho não dava dinheiro. Era o som do carnaval de rua, o melhor de todos. E cada canto tinha sua peculiaridade e tudo se misturava numa grande festa. A festa de rua.

2 de fevereiro de 2012

A Vida Secreta

Não mais, mas isso quer dizer muita coisa. Até o porquê de pronunciá-lo: “Não mais”. Não mais é o tempo que ele passa a escrever enquanto a chuva cai lá fora e um e outro correm para fugir dos pingos; e ele, da sua janela, observa desde o início da formação da nuvem pesada até o instante em que os pingos começam a cair. Não mais; e ele vê, com olhar atento, pessoas se esbarrando e cobrindo a cabeça com um objeto qualquer que está à mão no momento em que a enxurrada de água cai do céu. Outros que abandonam o cigarro quase à metade na poça d'água para não ter um pé de receber respingo no rosto. “Não adianta”, ele pensa. “Vai se molhar de qualquer jeito”, vocifera da sua janela.

16 de janeiro de 2012

Que Ela Fale...

Sugou-me a página em branco e causou um grande alvoroço dentro de mim: uma inquietação daquelas que provoca cócegas na barriga, náuseas e faz as pálpebras tremerem como numa grande crise nervosa que incomoda, demora a acalmar o olhar. Foi a página em branco que me consumiu; sim, consumiu-me como se fosse um extrator e me corroeu por dentro e me absorveu com uma sede imensa por uma bebida forte e pura, sem tira-gosto para amenizar o sabor. Consumiu-me a página como quem sente uma necessidade de ouvir música alta e soltar palavras incessantemente. Sim, palavras legíveis e claras. Claras como o som que sai agora dos meus lábios. “Eu que- ro des-bra-var a insaciável pá-gina em bran-co e quero soltar pala-vras!”. Palavras ditas por meus lábios carnudos e trêmulos.

4 de janeiro de 2012

O Caminho até Aqui


"E vou tomar aquele
Velho navio
Aquele velho navio..."


(Jards Macalé e Wally Salomão)


Ela tinha que seguir em frente, bem sabia; como um músico que inicia sua melodia com firulas para incitar o público a segui-lo no mesmo tom, assim o seu  âmago  indicou o caminho. Fez o seu roteiro como quem faz uma jangada de pau a pique, sem sustentação, sem nenhuma substância, sem previsão de retorno: improvisada pela necessidade do tempo. E, sabia, depois que entrasse no meio do mar não haveria mais volta. Era certo que, em algum momento, a jangada a deixaria à deriva: preferiu arriscar-se.