25 de outubro de 2012

A Cartomante e o Homem do Futuro

Durante este tempo, eu ainda estava morando próximo à beira do cais, no Recife Antigo, e ainda mantinha a ideia do bem-viver como algo que purificava o espírito. Conservava a alma com a pureza do ar que, naquele tempo, se podia respirar tranquilo. Era noite, o Recife mantinha a calmaria marítima da noite e o cais, obscurecido, era agitado apenas pela passagem dos trabalhadores e visitantes do lugar. Mas algo chamava a atenção: a mulher de cabelos compridos e batom vermelho reluzente sentada no batente próximo ao galpão de carga e descarga. Parecia muito pensativa.


Numa dessas passagens, avistou-se um navio cargueiro que trazia mercadorias do outro lado do mundo, estava com bastante tripulante a bordo e pretendia desembarcar tudo àquela noite. Nessa passagem ele desceu, estava faminto por ar e terra, havia passado muito tempo em alto mar trabalhando por entre tempestades. Alto, musculoso - como grande parte dos marinheiros - e sombrio. Desceu com sua mochila e atravessou a ponte de madeira. Quando ia passar pelo batente próximo ao galpão, a avistou, parou e a cumprimentou.

- Boa noite, ele disse a ela.

- Noite boa, ela respondeu.

- O que uma moça bonita faz por essas bandas?

- Sou cartomante, que saber seu futuro?, disse ela a ele com um riso nervoso.

- Sou bastante incrédulo - ele disse com ar de zomba -, mas posso deixar você tentar.

Ele sentou, acendeu um cigarro, olhou-a com bastante intensidade e retrucou: uma cartomante de verdade não sentaria na beira do cais para tirar a sorte de um marinheiro. Por que não diz o que você é? Ela olhou para ele e sorriu zombeteira, depois disse que o futuro dele era aquela noite e perguntou se podia colocar cartas para ele. Após receber consentimento, a cartomante disse que o caminho deles estava entrelaçado e soltou uma gargalhada estridente. Depois disso, eles levantaram e a sombra da noite encobriu o vulto dos dois.

Passaram-se várias horas, a noite encobria o cais e tudo ficava mais sombrio. As nuvens escureciam rapidamente, sinal de que o tempo havia mudado. Eu fui para a janela observar a formação de nuvens de chuva, estava bastante absorta quando ouvi um grito alto e intenso de socorro. Era ela, só avistei a correria de alguns trabalhadores e depois algumas palavras. Morreu! Morreu! A cartomante morreu! O espírito do bem-viver foi para longe àquela noite e o ar ficou rarefeito. O homem do futuro passava na outra rua, tranquilo, fumando seu cigarro, nem parecia ter sido ele o responsável pela tragédia que movimentou o cais. Nem parecia ele, nem parceia...

Um comentário:

  1. Edilma a história é macabra, mas muito interessante.
    Será que a moça sabia que iria naquela noite?
    Muito bom.
    Xeros

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