13 de junho de 2013

A Provisoriedade das Coisas

Era difícil para Anita lembrar da sua infância. Ué, mas a infância não é gostosa? Tem balanço, tem bola de gude, tem pega-pega. Tinha tudo isto, só não tinha conforto: não era palatável recordar o passado. Na infância de Anita, seus amigos pareciam sempre mais felizes e mais estáveis; ora, era óbvio! Ela é que não tinha posses; ou melhor, sua família não tinha posses. A mais simples casa parecia um palácio suntuoso frente a sua que era de taipa. Como era triste a infância do querer de Anita; não se deve ter pena!


 Quereres. Ela queria ter uma casa, mesmo simples, mas que ao menos fosse de tijolo e piso de cimento. E que tivesse reboco forte e piso lajeado. Queria sentir o gosto do algodão doce com paladar apurado – ela geralmente se perdia em meio a tristeza na hora da degustação. Anita vez em quando chorava escondida, ela pensava muito nos pais e no aconchego de um colchão: isso lhe dava forças para continuar sonhando. Teto fino de madeira coberto de cupins era o seu ponto de fuga: enquanto olhava para as madeiras já tomadas pelo negrume dos cupins, sonhava que sua mente era coberta por nuvens e seu coração era aquecido por uma lareira nos dias frios. Anita revertia a tristeza em ganho imaginário: ela fechava os olhos e pensava que no futuro as coisas poderiam ser melhores. A mensagem que o cérebro recebia era positiva, confiante. 

A confiança parecia o melhor remédio para um caminho tão íngreme e escorregadio. A confiança era de fato melhor do que os bens que lhe faltavam na infância do querer. E era com a palavra confiança que pouco a pouco ela ia adquirindo conforto e pão para alimentar o corpo e a alma. E não seria o pão que alimenta o corpo e a alma as nossas próprias perspectivas? De repente Anita se dá conta que tudo aquilo lá do passado era provisório. Imagine a sua face de breu. Formulou o pensamento? A imagem ficou clara? Tudo na vida é provisório, até que alcancemos um outro patamar e, mesmo assim, esse outro patamar pode vir a se tornar obsoleto. É uma sequência evolutiva das coisas. O ‘querer’ evolui e algumas coisas que antes eram importantes vão se tornando obsoletas. 

É como agora. O olhar de Anita para o passado denuncia a obsolescência das coisas, tudo lá ficou preso a um tempo em que uma casa de tijolos e piso de laje era importante. Ela conquistou um outro patamar: casa de tijolo, reboco e piso de laje já não é mais uma ambição. Outras necessidades surgiram e Anita já não vê mais tanta dificuldade em lutar pelo que deseja. Pensa que nada é impossível quando se sonha. Nada é impossível, afinal... E entende que algumas lutas vão parecer vãs ao longo do caminho, o que é lhe parece cruel.

2 comentários:

  1. Oi, Edilma!!
    A privação aliada a ambição acaba por criar lacunas na alma, que jamais serão preenchidas. Podemos ter tudo de material e sempre haverá de nos faltar algo.
    Boa semana!

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    1. É verdade! Sempre vai nos faltar algo a alcançar... ;] Obrigada pela visita, Luma!

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